Erotismo e frustração
Pornografia era aquilo que buscávamos fora de casa, nos cinemas com programação especializada, em shows para adultos, em lugares quase clandestinos, o que favorecia excitação. Então surgiu o videocassete e a pornografia entrou em casa, já não era preciso consumi-la na rua. Mais um pouquinho e veio a TV a cabo e a internet, q o que era um prazer com ares de ilícito passou a ser escancarado e de livre acesso a qualquer um, em qualquer horário. O sexo trivializou-se, o corpopassou a ser mais valorizado que o cérebro e uma certa estética libidinosa ganhou todos os espaços - mídia impressa, eletrônica e virtual, manhã, tarde e noite.
Tudo em nome da liberdade, que é sagrada. Mas até onde a gente avançou ou retrocedeu? Antes as mulheres se queixavam quando eram tratadas como objetos sexuais, agora fazem questão absoluta de sê-lo. Quem não tem peitão, bundão e bocão - ou tiver e não fizer bastante uso deles - está fora do jogo, não é deste século, perdeu o bonde da História. É este o recado que a gente recebe 24 horas por dia através de cartazes publicitários, cenas de novela, sites da internet. Seja boazuda ou morra.
Sexo é a coisa mais formidável que existe, em todas as susas formas e variações, exceto com crianças. Sexo é saudável, natural, alegre, dinâmico, valioso, essencial. E o mais importante: íntimo. Assunto seu. Assunto meu. Particular. Exclusivo. Secreto. Algum mistério a gente tem q preservar nessa vida, senão qual é a graça?
Sem algum pudor e mistério, barateamos nosso preço. Vamos todos para as prateleiras de R$ 1,99. Fica todo mundo à venda. "Quero dar muito beijo na boca" é a frase mais repetida por aí. Eu também quero, a empregada lá de casa também, nossos primos, nossos psicanalistas, todo mundo quer uma fatia desse bolo, está todo mundo morto de tesão. Só que sexo não mata todas as nossas fomes.
Algumas pessoas tem transado pra caramba e estão afundadas em frustação. Outras não têm transado nada e estão atoladas na mesma frustação. Tudo parece tão fácil, tão ao alcance, é só pegar...Uns vivenciam, outros fantasiam, e a insatisfação é a mesma, nosso isolamento emocional lateja, o espaço pro sentimento é quase nenhum. e dizer que esta fartura de sacanagem um dia foi nosso sonho de consumo.
Nem pensar numa reação puritana ou em abrir a guarda para que tentem nos converter, resgatar, trazer de volta ao rebanho, essas coisas envolvem sermões intermináveis e lavagens cerebrais. Creio que podemos dar conta sozinhos desta encrenca em que nos metemos, talvez tentando controlar nossa ansiedade dedicando-nos mais aos livros do que à TV, mais à música do que ao computador, mais ao silêncio do que às baladas. Não virando refém de modismo e muito menos entrando em ondas que não são a nossa. Não acreditando em tudo o que se vê e em tudo o que se diz: ninguém está assim tão mais feliz que a gente. Mas há os que estão bem à vontade, sim. Geralmente são aqueles que não se rendem a esta vulgarização explícita e ainda preservam uma certa pureza original, que é muito bem-vinda. O sexo pelo sexo, superexposto no dia-a-dia, nos tenta, nos tonteia, mas não responde quase nada do que realmente queremos saber sobre nós mesmos."
(Martha Medeiros)
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